Um novo titular na Defesa
Em Novembro de 1973, acontece uma remodelação no governo de Marcelo Caetano e Silva Cunha, que era ministro do Ultramar, substitui Viana Rebelo.
É ele que dá um novo impulso à negociação dos Mirage e que consegue obter garantias por parte do Ministério das Finanças de uma verba suplementar de 6 milhões de contos para reequipamento das forças armadas. (19)
Em Janeiro de 1974, Silva Cunha recebe um memorando do secretário de Estado da Aeronáutica, general Tello Polleri, com uma série de aquisições previstas, num valor global de 5,8 milhões de contos.(20)
O documento é depois revisto em Fevereiro em termos de valores e prevê a aquisição de várias aeronaves destinadas à Força Aérea: 68 helicópteros Alouette III, 1 helicóptero SA 330 Puma, 50 aviões de transporte C-212 Aviocar, 120 aviões Reims-Cessna FTB 337 e ainda um lote de 32 Mirage 5.
É já evidente nesta altura, que Portugal tem grandes dificuldades em adquirir material de guerra e que só em França e Espanha é que pode comprar aviões. O memorando descarta definitivamente a hipótese do Mirage F1 por ser demasiado cara e pelo facto do prazo de entrega ser cerca de 4 anos e aponta o Mirage 5 como a opção mais adequada. O documento refere ainda que o preço unitário desta versão de ataque, mais ferramentas, componentes e sobressalentes é de 103 mil contos (versão monolugar) e 108 mil contos (versão bilugar), embora possa ter algumas variações ao longo do período de fornecimento, estimado entre 2 a 3 anos.
É também referida a intenção da Força Aérea em adquirir mais aviões Fiat G.91 para continuar a assegurar as missões de ataque até dispor dos Mirage e que necessita para isso, de uma reserva financeira de 500 mil contos, o que implica que o número dos Mirage passe de 32 para 25 aparelhos.
Não é referida a origem dos Fiat, mas pelo valor envolvido presume-se que sejam aviões de origem alemã já usados.
Em Dezembro de 1973, a Força Aérea tem conhecimento que a Luftwaffe pretende desativar durante o ano de 1974, 50 a 60 jatos G.91 R/3 com uma média de 1800 a 2000 horas de voo e existe interesse da parte portuguesa em comprar alguns destes aviões.(21)
O problema é que o Governo alemão proibiu a venda dos G.91 a qualquer país estrangeiro, justamente com o receio que o destino final seja sempre Portugal. (22)
Bona não quer ver mais Fiat de origem alemã envolvidos na guerra de África e não está disponível para fazer qualquer cedência a este nível.
O general Tello Polleri ainda tenta explorar junto de Espanha a possibilidade destes aviões serem comprados pelas Construcciones Aeronáutica S.A (CASA), para depois serem vendidos a Portugal, mas sem sucesso.(23)
Todas estas aquisições dependem obviamente do financiamento extraordinário previsto pelas Finanças e que está a ser negociado com a África do Sul sob a forma de um empréstimo.
Depois de alguns meses de negociações, o acordo final é assinado no dia 8 de Março de 1974, pelo embaixador português em Pretória e o South África Reserve Bank, sendo o empréstimo de 150 milhões de rands (6 milhões de contos no câmbio da época).
O empréstimo é negociado em condições muito vantajosas para Portugal com uma taxa de juro de 3%, sendo o dinheiro transferido em prestações mensais de 5 milhões de rands até um máximo de 50 milhões por ano e durante um período de 3 anos. (24)
Ao abrigo do acordo, a primeira prestação de 5 milhões de rands é disponibilizada e Silva Cunha pode assim prosseguir com as negociações relativas ao Mirage.
O dinheiro sul-africano chega numa altura em que se avolumam na Guiné indícios de uma eventual ameaça aérea por parte da Guiné-Conakry.
O problema da Guiné
Das três frentes de guerra que Portugal tem em África, a situação na Guiné é que inspira mais cuidado e preocupação nos militares e governantes portugueses.
De facto, as forças portuguesas enfrentam nesta colónia uma guerrilha bem organizada e bem armada, inclusivamente com mísseis terra-ar, com total liberdade de movimentos nos países vizinhos. O aparecimento dos mísseis terra-ar SA-7 Strela em finais de Março de 1973 marcam uma nova fase na guerra e causam apreensão em Lisboa e no comando militar na Guiné.
Em apenas duas semanas, o PAIGC abate 5 aviões, entre os quais 2 Fiat G.91, provocando a morte a 4 pilotos. Perante esta nova ameaça, as chefias da Força Aérea reúnem-se em Lisboa, a 24 de Abril de 1973, e enfatizam a necessidade de novos meios aéreos de combate face a uma possível escalada da guerra na Guiné.
Nas prioridades da FAP surge, mais uma vez, o Mirage, dada a sua capacidade de combate aéreo e ataque ao solo e a possibilidade de ser usado em missões de retaliação.
O caça francês era “o único avião de altas qualidades incluído no plano de rearmamento da Força Aérea” e, nesse contexto, o melhor equipado para fazer frente à nova ameaça dos mísseis terra-ar. No entanto, as chefias da FAP não deixam de chamar à atenção para o facto de ser preciso estudar (face ao Strela e às restrições de voo que o míssil impõe), se o Mirage 5 é o modelo mais aconselhável para a Força Aérea “ou se este necessita de equipamentos complementares para ataques ao solo com precisão fora do alcance do míssil”, ficando este estudo a cargo da 3ª Repartição do EMFA. (25)
O pedido do Mirage para a Guiné é reforçado pelo próprio comandante da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG), o coronel Moura Pinto, durante uma visita que o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), o general Costa Gomes, faz à Guiné em Junho de 1973, para avaliar a situação militar no terreno.
Costa Gomes recebe do comando militar em Bissau uma longa lista de pedidos de tropas e de armamento em que constam 12 aviões Mirage pedidos por Moura Pinto. A ideia do comandante da ZACVG é substituir completamente os T-6G e os Fiat pelo caça francês. (26)
Entretanto, começam a surgir notícias no domínio público de que a guerrilha está a treinar pilotos na União Soviética para usar aviões MiG a partir da Guiné-Conacri.
Um jornal que dá eco deste assunto é o inglês Daily Telegraph que, a 2 de Agosto de 1973, publica um artigo da autoria do correspondente em Lisboa, o jornalista Bruce Loudon, em que diz que a guerrilha “está apenas a seis meses de atingir uma capacidade de ataque aéreo com caças MiG russos.”
O jornalista refere ainda que cerca de 40 guerrilheiros estão a receber cursos de pilotagem na Rússia. (27)
Começam, assim, a circular notícias sobre o possível uso de meios aéreos por parte da guerrilha ou do envolvimento da própria Força Aérea Guineana (FAG) em ações contra as tropas portuguesas.
Do outro lado da fronteira, os MIG-17F da FAG estão praticamente parados, mas com ajuda de militares cubanos, começam a aumentar o seu grau de operacionalidade.
Pilotos e técnicos cubanos chegam a Conacri em Fevereiro e Maio de 1973 e incrementam os voos de patrulha na zona de fronteira, de forma a precaver incursões portuguesas em território guineano. (28)
Preocupado com a situação militar na Guiné, o chefe do Governo, dá ordens para que a pequena colónia seja dotada de novos meios de defesa aérea (29) usando para esse efeito o empréstimo sul-africano.
Neste seguimento, o Ministério da Defesa encomenda, em França, em Janeiro de 1974, dois pelotões de mísseis Crotale R440, um deles para a defesa de Bissau, ficando prevista a entrega do primeiro para Maio de 1974 e a do segundo 18 meses depois para a defesa de Cabinda. (30)
Existem receios em Angola, de que a compra de caças Mirage 5 pelo Zaire possa constituir uma ameaça aérea para aquele território rico em petróleo.
Desenvolvem-se também contactos junto do Departamento de Estado norte-americano para a compra de mísseis portáteis FIM-43A Redeye, que serão depois fornecidos por “caminhos tortuosos” por sugestão de Henry Kissinger, envolvendo Israel e um intermediário alemão, pois os americanos não os podiam fornecer diretamente devido ao embargo de armas. (31)
São também analisados sistemas de radar para o controle do espaço aéreo.
Neste contexto, faltava apenas um avião com elevada capacidade retaliação sobre os países vizinhos, que pudesse dissuadir qualquer ataque aéreo contra a Guiné portuguesa.
O Mirage encaixava bem nesse papel, o problema era a forma como a sua presença seria encarada pelos países limítrofes.
E é isso que preocupa os governantes franceses.
(11) Nota n.º 137 da Direção da Europa para o Ministro, 18 de Dezembro de 1973, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(12) Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril” Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 312.
(13) Telegrama nº 216-219 da Embaixada de França em Lisboa, 17 de Maio de 1972, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(14) Nota n.º 260 da Direção dos Assuntos Económicos e Financeiros para o Gabinete do Ministro, 19 de Maio de 1972, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(15) Memorando da Comissão Luso-Francesa, Assunto: Acordo Geral Luso-Francês sobre os Açores - Material de guerra francês, 12 de Dezembro de 1972, ADN/F1/7/31/19.
(16) Telegrama nº 158-159 da Embaixada Francesa em Lisboa para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1 de Março de 1973, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(17) Nota da Direção da Europa Meridional para a Direção dos Assuntos Económicos e Financeiros, 18 de Dezembro de 1973, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(18) Ficha de vendas de armamento a Portugal, 14 de Dezembro de 1973, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(19) Silva Cunha, p. 312
(20) Memorando da Secretaria de Estado da Aeronáutica, Assunto: Programa de Forças – Aquisições Previstas (1ª revisão), 4 de Fevereiro de 1974, SDFA/AHFA.
(21) Memorando do Estado-Maior da Força Aérea, 25 de Janeiro de 1974, SDFA/AH, 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121.
(22) Carta de Alberto Maria Bravo & Filhos, Assunto: Aviões G-91, 4 de Dezembro de 1973, AHD PEA 655.
(23) Carta do Secretário de Estado da Aeronáutica para o General Enrique Jimenez Benamu, 25 de Fevereiro de 1974, AHD PEA 655.
(24) Memorial sobre o acordo do empréstimo de 150 milhões de rands firmados com a R.A.S., Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), 18 de Setembro de 1975, ADN F3/20/48/64.
(25) Ata da reunião de 24 de Abril de 1973, na biblioteca do EMFA, sobre a ameaça antiaérea no Ultramar, pp. 9 e 21, ADN F3/17/37/64.
(26) Anexo D à acta da reunião de Comandos de 15 de Maio de 1973, Bissau, Arquivo Histórico Militar AHM/DIV/2/4/314/2.
(27) Bruce Loudon, “Portuguese rebels to get Russian MiGs” Daily Telegraph, 2 de Agosto de 1973, ADN, SGDN 3500.
(28) Humberto Trujillo Hernández, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008, pp. 110-111.
(29) Marcello Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, Record, 1974, p. 180
(30) Silva Cunha, p. 318.
(31) João Hall Themido “Dez anos em Washington 1971-1981”,
Publicações Dom Quixote, 1995, pp. 145-146.
(32) Carta n.º 7221 do Ministro da Defesa para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Assunto: Encomenda eventual de Mirages por Portugal, 20 de Fevereiro de 1974, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(33) Salvador Huertas, Dassault-Breguet Mirage III/5, Osprey Air Combat, Londres, 1990, p. 134.
(34) Nota nº 23/DAM-2 da Direção dos Assuntos Africanos e Malgaxes, Assunto: Encomenda eventual de Mirages por Portugal, 27 de Fevereiro de 1974, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(35) Jack Gee, Mirage – warplane for the world, Macdonald, Londres, 1971, p. 65.
(36) Ficha para M. De Margerit: Aviões Mirage para Portugal (estacionamento), 11 de Abril de 1974, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(37) Nota nº 1632 c/p do Comando-Chefe das Forças Armadas de Angola para o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Necessidade de aviões de caça a jato para a 2ª RA, 4 de Maio de 1974, ADN/Fundo Geral Cx.7702.
(38) Nota do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Assunto: Cedência de Aviões de Ataque ao Solo, sem data, ADN/F1/42/186/59.
(39) Ofício nº 620 do Secretário de Estado da Aeronáutica para o Ministro da Defesa Nacional, Assunto: Aviões Aeromachi MB-326M (Impala), 7 de Julho de 1972, ADN, F1/42/186/62.
(40) Nota nº 75133 do Ministro da Defesa para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Assunto: Aviões de combate para Portugal, 11 de Abril de 1974, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(41) Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 319.
(42) Silva Cunha, “O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril”, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 319.Nota sobre o encontro entre M. Jobert e M. Patrício no aeroporto de Lisboa, no dia 24 de Março de 1974, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.
(43) Carta do ministro dos Negócios Estrangeiros para o embaixador de Portugal em Washington, Lisboa, 23 de Abril de 1974, ADN, F3/14/29/4.
(44) Nota da Direção dos Assuntos Económicos e Financeiros, Assunto: Venda de armamento a Portugal, 31 de Maio de 1974, AMAE, Europe 1971-1976 - Portugal - Caixa 3501.