O Último Ataque a Miandica
Por:
António Carvalho
1º cabo Enfermeiros da CCAÇ 1558
Não vale a pena descrever as más condições, a todos os níveis, que lá passámos nos 3 meses que durava o destacamento, pois isso é do conhecimento de uma grande parte dos ex-militares que compunham o Batalhão de Caçadores 1891. Desde a falta de comida, correio, por vezes munições e tabaco, que foi muitas vezes a nossa única companhia.
Mas vou descrever um episódio, o último naquele lugar longe de tudo.
No dia 25 de Fevereiro de 1968, estava para chegar o novo grupo de combate que nos ia substituir, para podermos regressar a Nova Coimbra já que o nosso tempo de comissão estava a terminar.
Antes da chegada, combinado com todos os elementos, o alferes Quintas, que substituiu o alferes Sancho por ter sido ferido em combate, resolveu pregar uma partida aos “Checas”, trocando todos os postos, tendo ele passado a soldado e cabendo a mim o galão de alferes.
Quando chegaram os novos, depois de termos recebido as instruções para o novo desempenho de funções, dirigi-me ao graduado que comandava os “Checas” e apresentei-me como sendo o alferes Quintas.
Depois de uma curta conversa, comecei a mostrar as instalações, que eram fáceis de visitar, pois quase nada havia.
Andei por cima da barreira que nos protegia, com o já citado novo comandante, explicando-lhe quais as zonas consideradas mais perigosas e de possíveis ataques.
Passado algum tempo e conforme já previamente combinado, separei-me por uns momentos do meu interlocutor e rapidamente voltámos aos respectivos postos, coloquei os meus óculos escuros, graduados, para não ser facilmente reconhecido e então o verdadeiro alferes Quintas tomou o seu posto e foi ter com o seu homologo, contando-lhe a brincadeira a que tinha sido submetido.
Eu fui ter com o meu colega enfermeiro que me ia render e entabulei então a conversa normal de mais velho para mais novo, dizendo-lhe que a zona era perigosa, sujeita a ataques, que ainda não tínhamos tido nenhum por sorte, e que a vida ali era muito dura.
Recebi como resposta “isso é conversa de velhos para nos meterem medo, pois em Nova Coimbra disseram-nos que havia muitas minas pelo caminho e nada nos aconteceu” .
Cerca das 16.50 horas, quase mal tínhamos acabado esta conversa, sofremos sim um ataque, como penso ainda não se tinha registado por ali, a partir do mato junto à pista de aterragem, com morteiros, bazucas e canhão sem recuo.
Com a surpresa e porque os novos, segundo penso que foi essa a informação que eles me transmitiram, tinham chegado directamente da metrópole, não tendo qualquer experiencia de guerra, muitos, tiveram como reacção deitarem-se no chão não crendo no que lhes estava a acontecer.
Coube-nos a nós, velhos, rechaçar o ataque, e não me esqueço daquele acto do nosso colega, que não me lembro o nome mas a alcunha “França” que saltou para cima da barreira de protecção e a descoberto, com raiva descarregou os carregadores da G3 para a zona de onde provinha o ataque.
Mas, infelizmente a primeira granada que é disparada pelo inimigo cai dentro do acampamento e mata o meu grande amigo Fernandes, que era o padeiro e que ao sentir o ataque desloca-se á barraca que nos servia de abrigo, buscar a G3 e quando ia para a barreira foi atingido, ficando com a cabeça quase desfeita, (o Fernandes está na foto anexa a almoçar e com uma caneca na mão.
Mas o pior estava para acontecer, como o ataque tinha sido perto das 17 horas, e o inimigo também sabia, a aviação já não nos podia socorrer, embora tenha sido pedida a evacuação via rádio, ainda a 25 de Fevereiro.
No dia 26 de manhã, apareceu o helicóptero para fazer a evacuação, só que não havia feridos, mas um morto.
O alferes Quintas recebeu como resposta que não evacuavam mortos e que teríamos de o enterrar no mato em Miandica, tendo o mesmo dito que isso não faria, mas o carregaríamos mais de 40 km a corta mato, às costas, até Nova Coimbra, já que íamos regressar no dia seguinte aquele quartel para regressarmos a Portugal.
O comandante da aeronave, penso que tocado no coração, resolveu levar, contra todas as ordens, o corpo para Nova Coimbra.
Eu estive em Nova Coimbra, passei por Miandica, estive no Cóbué, passaei por Olivença. O meu pelotão foi o primeiro a acampar durante três meses no Lunho, no ano de 1965. Depois fomos para Metangula até sermos rendidos em Fevereiro de 1966. Infelizmente, tivemos um morto, no dia 31 de Maio de 1965, em Nova Coimbra, dias depois outro no Cóbué, tendo sido ambos,os corpos, levados para o cemitério de Vila Cabral. Ainda, outro camarada morreu acidentalmente,no Cóbué tendo o corpo sido transportado de avião para o cemitério de Vila Cabral. Nenhum foi enterrado e abandonado. Como no vosso tempo. Cujos responsaveis da hierarquia Militar o desejavam fazer, segundo escreve o relator do texto.
ResponderEliminarO Governo o que deveria ter feito e não fez, era ter devolvido os corpos á família. Se os obrigou a irem para a guerra, e não regressaram por terem morrido em combate ou não. Também os não deveria lá ter deixado abandonados.
Pertenci ao Batalhão de Caçadores 598.
Eu jose dias
ResponderEliminarestive no Lunho 1967/69 2ª comp: enge:Fui a Miandica integrado numa comp: que levava comestiveis e armas pesadas,calhou a mim ir por sorteio mais o operador de maquinas numa coluna (correu mal)bom... resumindo fui buscar uma maquina de terraplanagem mas tambem conheci a 4ª comp: de comandos onde estive adido algures.
Eu também "sobrevivi" na Miandica...fui o último militar português a deixar aquele local...corria o ano de 1974...e os primeiros dias de Abril...como alferes miliciano comandei o 2º grupo de combate, da companhia de artilharia CART7260, sediada no Lunho...vivemos os piores dias da nossa vida...não haviam instalações...montamos tendas..não havia comida...apenas ração de combate lançada a partir do heli sobre uma pista de terra batida onde nenhum avião ou heli aterrou enquanto lá estivemos (eu e meus companheiros)...nem aterraria pois a pista estava cheia de grandas de morteiro por rebentar, que ali caíam quando faziamos batida de zona para pudermos ir á agua, num pequeno ribeiro existente a Norte da pista e á distância de cerca de 150 metros...chegar lá era um verdadeiro desafio...uma vez por semana um grupo de 9 homens fazia meia picada de distância ao Lunho (ida e volta) para recolher pão feito naquele quartel...foram dias terrévis...dali assistimos na noite de 4 de Abril de 1974 a um terrível ataque de mísseis sobre o Lunho, impotentes perante o flagelo dos nossos companheiros...hoje lembro aqueles dias terríveis e reconheço que todos aqueles que passaram pela Miandica, são heróis sem nome...daqueles que quer queiramos quer não...escrevem a História de Portgual...hoje recordo os rostos de medo dos meus companheiros de infortúnio durante o tempo que lá passamos...certamente eles recordarão também o meu...a Miandica não existiu...foi apenas um pesadelo! Obrigado por honrarem aquele ignorado recanto...onde deixamos muitos dos melhores dias dos nossos verdes anos.
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